ANVISA DE OLHO NAS NOVAS TECNOLOGIAS
16.04.2023
| Avanços na ciência e direitos |
Responsável pela Gerência de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GSTCO) da Anvisa, João Batista da Silva Júnior destaca o papel da Agência na regulação de novas terapias, o fluxo de incorporação de novos produtos e tecnologias e a importância de as associações de pacientes e sociedade participarem desse processo
Por Madson de Moraes
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem um papel importante até um medicamento ou outro produto estar à disposição do Sistema Único de Saúde (SUS): é ela que autoriza o registro, independentemente se, no futuro, ele estará incorporado ou não ao SUS. Para mostrar o papel da Agência nesse processo de avaliação da segurança, qualidade e eficácia dos novos medicamentos e tecnologias, o responsável pela Gerência de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GSTCO) da Anvisa, João Batista da Silva Júnior, explica, no bate-papo com a Fator Vida, a regulação e critérios uti- lizados pela Agência na liberação de pro- dutos inovadores e como o Brasil está em relação a outros países na regulação de novas tecnologias, bem como destaca a participação das associações de pacientes em todo esse processo.
Sobre as regras no Brasil para os estudos com produtos de terapias avançadas, métodos que consistem no uso de células e genes (material genético) como produtos terapêuticos em diversos tratamentos, como para a hemofilia, em que a ideia é fornecer terapias de qualidade seguras e mais eficazes. Silva Júnior explica que a regulamentação para essas terapias feitas pela Anvisa tem tornado possível ao País receber e desenvolver pesquisas no que existe hoje de mais moderno no desenvolvimento de novos tratamentos com produtos de terapias avançadas. Esses produtos podem ser considerados medicamentos especiais para diversas situações e doenças, muitas vezes sem nenhuma alternativa disponível.
– Qual o papel da Anvisa na regulação de novas tecnologias?
O que a Anvisa considera para a análise das novas tecnologias é saber se o produto é seguro, eficaz e se será produzido com qualidade, fazendo uma análise de riscos e benefícios. É uma balança onde o benefício para o paciente precisa ser muito mais evidente que o risco. No caso de medicamentos e produtos de terapia avançada, por exemplo, a Agência está presente na avaliação dessas novas tecnologias com critérios muito bem desenhados antes de liberar registros para salvaguardar o paciente. Os medicamentos registrados pela Anvisa passam por uma fase chamada desenvolvimento, onde o produto ainda está em experimentação. A Agência acompanha esse processo desde a fase 1, quando os medicamentos ou produtos de terapia avançada começam a ser usados em seres humanos. A Anvisa tem que estar presente e aprovar para identificar se a balança risco e benefício é favorável para aquele grupo de pacientes que usará o produto. É aí que aparece o DNA da inovação na Agência, pois ela tem de estar antenada às novas tecnologias e processos principalmente nessa fase do desenvolvimento.
– Nesse caso, a Anvisa só registra o novo medicamento ou produto inovador, mas depende do Ministério da Saúde para esse medicamento chegar aos pacientes do SUS?
Tem a questão de custo-benefício quando o processo segue para o Ministério da Saúde, e não mais risco-benefício feito pela Anvisa. Quando a Agência aprova o registro, será preciso passar por uma análise para saber se o produto será incorporado ao SUS. E não é a Anvisa que faz esse trabalho. Muitos pacientes acham que é papel da Agência, mas não é. Quem irá continuar o trabalho da Anvisa, que já autorizou o registro do medicamento ou produto de terapia avançada, é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), do Ministério da Saúde. Ela que faz a avaliação para ver se dos medica- mentos já registrados pela Anvisa e disponíveis no mercado brasileiro, é necessário um novo ser incorporado ao SUS. Além disso, entra outro ator importante no acesso a medicamentos e produtos inovadores, que é a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que avalia ainda se aquele novo produto pode ser inserido no plano de saúde. Esse é o fluxo de trabalho para que produtos inovadores e terapias cheguem até os pacientes brasileiros.
– Qual a importância da participação das associações de pacientes nesse processo?
É fundamental. No campo do Ministério da Saúde, quando o produto é registrado na Anvisa e ele decidirá se vai incorporar ou não ao SUS, a participação dos pacientes é fundamental porque eles, entendendo o processo todo, podem levantar prioridades para a causa da associação do paciente. A Anvisa tem se aproximado da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH) e feito um movi- mento para que os pacientes possam conhecer o trabalho da Agência. O caso das terapias gênicas para hemofilia é um exemplo. A Anvisa esteve presente em reuniões e eventos da FBH para apresentar a todos o papel da Agência, discutindo os avanços tecnológicos e os riscos envolvi- dos. Dessa maneira, o paciente vai se empoderando do conhecimento desde o início do processo de avaliação, percebendo como a Anvisa é importante e compreendendo os mecanismos que a Agência utiliza no processo de proteção da saúde do paciente.
– Como o Brasil está em relação a outros países na incorporação dessas novas tecnologias?
O que temos acompanhado nessa questão com relação aos aspectos regulatórios pela Anvisa é que o Brasil tem sido referência, principalmente, em relação aos países da América Latina. Hoje temos também, cada vez mais, a Conitec e o Ministério da Saúde se empoderando desses mecanismos de incorporação tecnológica e inovação, e temos visto isso com rapidez principalmente na terapia gênica. Esses produtos inovadores são muito caros por serem uma tecnologia disruptiva e, toda vez que você tem uma inovação, é de se esperar que se tenha um preço alto no início. Por isso, é necessário ter outras tecnologias que competirão entre si para baratear o preço. Sobre as terapias avançadas no País, em fevereiro a Anvisa aprovará as regras para o registro sanitário dos produtos de terapia gênica, terapia celular avançada e de engenharia tecidual. Esse terceiro regulamento comporá com outras duas normas já em vigor as bases regulatórias para esses produtos de terapias avança- das no Brasil, que são a RDC 260/2018, de ensaios clínicos com os produtos de terapias avançadas e que regra as pesquisas e experimentações em seres humanos; e a RDC 214/2018, que define os requisitos de boas práticas de fabricação desses produtos.
– Com as novas regras para terapias avançadas, o objetivo é fazer do Brasil um polo para as empresas investirem em pesquisas e novas tecnologias? Esse marco regulatório definido para terapias avançadas será importante para isso também, de atrair novas empresas e tecnologias, bem como ser um marco regulatório para o desenvolvimento nacional. Nenhuma empresa terá interesse em ir a um país sem normas sanitárias estabelecidas. Então é importante que a Anvisa seja uma agência reguladora cada vez mais forte e competente para garantir desenvolvimento nesse setor com segurança e qualidade, sempre com foco no benefício ao paciente. Estamos seguindo o mesmo fluxo dos EUA e Europa, as coisas estão acontecendo aqui no Brasil também e, assim, os pacientes brasileiros com hemofilia, por exemplo, têm condições de participar de estudos clínicos envolvendo múltiplos países. Hoje, na área da hemofilia, já há empresas investindo em pesquisas com terapias avança- das no Brasil regularizadas na Anvisa. Uma delas é a BioMarin, que está fazendo pesquisa clínica fase 3 com a Universidade Estadual de Campinas. Existem vários países trabalhando nessa pesquisa sobre terapia gênica, inclusive o Brasil. Há outros projetos de pesquisas clínicas para hemofilia de outras empresas que estão sendo avaliados pela Anvisa. É importante ressaltar para o paciente com hemofilia que o Brasil tem hoje um trata- mento convencional eficaz e seguro disponível pelo SUS, que é motivo de elogios no mundo. Enquanto isso, é possível ir avançando em pesquisa e inovação na busca de novos trata- mentos para os pacientes brasileiros. É importante que o paciente saiba o quanto o Brasil avançou na qualificação das unidades da rede de bancos de sangue, que oferecem qualidade e segurança ao paciente. De acordo com dados da Anvisa, nove de cada 10 serviços de hemoterapia avalia- dos estão de acordo com as normas sanitárias.