VIAJANDO COM O FATOR
16.04.2023
| Avanços na ciência e direitos |
A importância de saber como armazenar e transportar o fator de coagulação em viagens aéreas e terrestres, nacionais e internacionais
Por Leila Vieira
Quem faz tratamento de hemofilia precisa ter sempre em mãos medicamentos para reposição dos fatores deficientes no sangue, os fatores de coagulação. Essenciais para conter sangramentos, dores e consequentes sequelas, eles são utilizados em duas modalidades de tratamento: sob demanda, quando ocorre a infusão do concentrado do medicamento após episódio hemorrágico, ou profilático, administrado de maneira periódica para prevenir os sangramentos. Por isso, um dos passos primordiais para os pacientes que convivem com a hemofilia é aprender a logística de armazenamento e transporte desses medicamentos.
Os fatores de coagulação devem ser mantidos em locais higienizados. As substâncias são termolábeis, ou seja, precisam ser mantidas em baixas temperaturas — de 2ºC a 8ºC — e em um ambiente asséptico, livre de qualquer possibilidade de contato ou transmissão bacteriana. A higienização correta e a refrigeração adequada são alguns cuidados fundamentais para garantir a eficácia e segurança nos tratamentos dos pacientes com hemofilia.
Para assegurar a conservação segura dos medicamentos, a recomendação dos especialistas é guardar, na geladeira da residência, mantendo as embalagens originais e acondicionadas dentro de caixas plásticas, exclusivas para esses medicamentos. A enfermeira Maria Lúcia de Paula, do Hemocentro do Estado do Rio Grande do Sul (Hemorgs), indica que os medica- mentos devem ser guardados na prateleira do meio. “Não colocar na porta da geladeira, porque há oscilações de temperatura no local, nem na gaveta de legumes e alimentos frescos. E nunca armazenar no congelador”, diz. O kit e os acessórios de infusão — seringa, agulha de transferência e escalpe — podem ser guardados fora da geladeira, em espaço limpo e arejado.
Para viagens aéreas ou rodoviárias, alguns cuidados extras devem ser tomados pelos pacientes. “O transporte do fator deve ser feito de preferência em caixa de isopor ou bolsa térmica, lacrada, com gelo reutilizável sobre os medicamentos e nas laterais da caixa. É importante não usar gelo in natura para a manutenção da temperatura”, detalha Maria Lúcia. Em excursões com trechos mais longos ou tempo prolongado de deslocamento, as pessoas devem solicitar com antecedência de 15 dias a quantidade de fator necessária para a viagem. “Os hemocentros fornecem a quantidade de fator, junto com gelo reutilizável e a bolsa térmica para manter na temperatura ideal”, explica a farmacêutica Adriana Singosemito, do Hemocentro Regional de Caxias do Sul (Hemocs). Esse procedimento padrão, de solicitação com antecedência adotado pelos hemocentros, visa não desabastecer o estoque de medicamentos das outras pessoas atendidas nos centros de tratamento.
QUAIS DOCUMENTOS PARA TRANSPORTAR O FATOR?
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estabelece algumas recomendações para o transporte de medicamentos em voos nacionais e internacionais. Seringas, agulhas e medicamentos líquidos são itens permitidos em bagagens de mão e bagagens despachadas. Apesar de não ter restrição nos voos domésticos, é preciso atenção redobrada nas viagens para o exterior. Caso o recipiente com a substância tenha mais de 100 ml, poderá ser auto- rizado com a prescrição médica e na quantidade necessária para utilização no período total de voo, incluindo eventuais escalas. Frascos com até 100 ml podem ser transportados sem restrições.
Os pacientes em deslocamento precisam ter em mãos documentos para não enfrentar nenhuma complicação na viagem nem no aeroporto ou rodoviária: atestado médico ou carta assinada pelo médico contendo informações como dados do paciente, diagnóstico, fator utilizado e quantidade que está sendo enviada, entre outros detalhes (o site da Federação Brasileira de Hemofilia disponibiliza um modelo da carta). Além disso, a pessoa deve levar consigo a prescrição médica e carteirinha de identificação de hemofilia. É importante lembrar que, se a viagem for internacional, a carta da FBH deve estar em inglês. A recomendação da farmacêutica Adriana é que o paciente leve sempre a carteirinha de identificação, incluindo o número do cadastro do Hemovida Web Coagulopatias, dados pessoais e informações sobre o tratamento, pois já aconteceu de pessoas com hemofilia irem a turismo para a Serra Gaúcha sem nenhuma identificação e o hemocentro não saber qual tipo de fator utilizar. A carteirinha de identificação é válida em todo o território nacional e, segundo a enfermeira Maria Lúcia de Paula, do Hemorgs, o gestor estadual do programa Hemovida Web Coagulopatias pode imprimir a identificação do paciente.
Mesmo com todas essas precauções, é importante que o paciente sempre pesquise as legislações de cada país sobre o fator de coagulação, bem como onde conseguir tratamento e o medicamento em caso de urgência. Essas informações podem ser conseguidas pela internet, mas também nas embaixadas, no Ministério da Saúde, em parcerias com associações e federações de hemofilia, e nos hemocentros que acompanham o tratamento. “Nós pesquisamos junto com o paciente qual hemocentro de referência e quais serviços de emergência aptos a recebê-lo na cidade para onde viajará”, explica Adriana.
CUIDADOS COM A APLICAÇÃO
O tratamento das pessoas com hemofilia é realizado com terapia intravenosa, por isso a orientação aos pacientes ressalta os cuidados com a higienização no momento do procedimento: estar com as mãos limpas e bem lavadas, ter um espaço reservado e organizado para a aplicação e manusear os materiais com salubridade (conjunto de requisitos adequados à saúde pública) para evitar contaminação. O ideal, salienta Adriana, é não cair na rotina do descuido, por achar que já sabe, e sim manter o cuidado desde a primeira aplicação.
A manipulação adequada e a atenção aos prazos também evitam que o medicamento perca o efeito. No momento da aplicação, o frasco do fator não pode ser agitado para evitar a perda do efeito desejado. Os pacientes e familiares devem estar atentos às datas de validade para injetar o remédio dentro do período determinado, eliminando o risco de descarte e prejuízos financeiros para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Outra cautela diz respeito ao descarte adequado dos materiais após a utilização dos fatores de coagulação. Por conter objetos perfurocortantes e infectantes, o despejo não pode ser feito no lixo domiciliar. “A orientação é descartar os perfuro- cortantes (agulhas de transferência e escalpe) em recipiente rígido como latas de alumínio ou potes plásticos. Em outra vasilha, os frascos vazios, e posterior devolução ao centro tratador, Unidade Básica de Saúde (UBS) ou hospitais, para que seja descartado no lixo hospitalar adequado”, reforça a enfermeira Maria Lúcia.
No Brasil, aproximadamente 12 mil pessoas têm hemofilias A e B. Apesar de ser um número considerável, a prescrição do medicamento é individualizada. Os hemocentros do País, além de distribuir os fatores de coagulação gratuitamente, contam com uma equipe especializada no atendimento e tratamento das pessoas com coagulopatias, dando, por exemplo, orientações sobre os cuidados que os pacientes devem ter em relação à ingestão de medicações indiscriminadamente. Medicamentos que contêm AAS (ácido acetilsalicílico) não devem ser utilizados por pessoas com hemofilia e, para uso de demais analgésicos, anti-inflamatórios e outros tipos de medicamentos, é indispensável contatar o médico responsável do centro de tratamento para receber as informações adequadas.
Na capital gaúcha, além desse apoio aos pacientes com hemofilia, também existe uma coordenação com as outras instituições do interior do estado. Na cidade de Caxias do Sul, o Hemocs busca uma aproximação com os pacientes em tratamento na instituição. O objetivo desse processo é facilitar o contato e a personalização do atendimento para cada tratamento. “É importante que o paciente tenha essa reaproximação com o serviço de referência, porque os hemocentros têm medicações adequadas e em quantidade suficiente. Hoje, não se aceita mais sangramentos espontâneos graves sem uma causa definida, tem as farmacocinéticas, a personalização do tratamento, que considero importante”, conclui Adriana.
VAI VIAJAR COM O FATOR? SAIBA QUAIS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS
– Atestado médico ou carta modelo da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH)
(Atenção: se a viagem for internacional, a carta modelo deve estar em inglês)
– Prescrição médica
– Carteirinha de identificação de hemofilia