SAÚDE MENTAL NA PANDEMIA
16.04.2023
| Avanços na ciência e direitos |
Pandemia causada pelo novo coronavírus pode aumentar sentimentos como ansiedade, insegurança e tristeza diante do confinamento e das incertezas do futuro. Cuidados com a saúde mental precisam ser redobrados
Por Madson de Moraes
Maior carga de estresse causadas pelas mudanças de hábito, luto, distanciamento da família e amigos, dificuldades econômicas ou perda de emprego, o risco de contágio, aumento da carga de trabalho e a falta de uma vacina. Todos nós fomos ou temos sido afetados, de alguma maneira e em graus varia- dos, pelos impactos acima causa- dos pela pandemia do novo coronavírus. Sentimentos como raiva, ansiedade, depressão, tédio, confusão ou medo acabam vindo à tona com maior intensidade.
Um estudo feito com quase 4.700 brasileiros apontou que o medo, preocupação e a insegurança são os sentimentos que melhor traduzem o momento que vivemos. E, ainda de acordo com esse estudo, 86% dos brasileiros diz ter enfrentado já algum tipo de dificuldade no dia a dia como, por exemplo, a incapacidade de relaxar e a pressão por causa das finanças. Atualmente pesquisadores, do Brasil e do mundo, estão debruçados em estudos para mensurar a consequência da pandemia em nossa saúde mental com o objetivo de preparar e organizar estratégias para lidar com esse impacto assim que a pandemia se encerrar.
Os dados acima chamam a atenção para um tema importante: os cuidados com nossa saúde mental. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para o possível grande impacto da pandemia na saúde mental da população. O que fazer, então, para reduzir essas consequências? Antes, é importante entendermos o que é esse conceito de saúde mental do qual temos lido e ouvido diariamente nos noticiários.
Frederica Cassis, psicóloga do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e consultora voluntária do Comitê Psicossocial da Federação Mundial de Hemofilia (WFH na sigla em inglês) e membro do Comitê de Assessoramento Técnico (CAT) da FBH, explica que o conceito de saúde engloba tanto o mental como o emocional em nós e que ambos estão interconectados. Quando falamos de saúde mental e emocional, diz ela, falamos de como estamos pensando a nosso respeito, das pessoas que nos rodeiam e da realidade que nos cerca.
“A saúde mental, o estar bem mentalmente, é podermos lidar com as dificuldades e situações inesperadas de maneira construtiva e adaptativa. Se perdemos o rumo por instantes ou dias, vemos que somos capazes de reverter, aceitar algo para poder mudar e continuar funcionando em nossos diferentes papéis como o de esposa, namorada, marido, pai, mãe e irmão, entre vários outros”, observa a psicóloga. Já quando falamos da saúde emocional, continua Frederica, estamos ponderando sobre a nossa capa- cidade de expressar o que sentimos de uma maneira clara, reconhecendo o que sentimos e sabendo como lidar bem com os diferentes sentimentos. “Saúde não é ausência de doenças ou de mal-estares. Saúde é saber reconhecer o que temos e fazermos algo a respeito com dedicação e compaixão consigo mesmo em primeiro lugar. E acredito que, nesta época de covid-19, todos nós estamos aprendendo a pedir ajuda e a ajudar de forma mais intensa do que antes”, opina.
Com décadas no atendimento às pessoas com hemofilia, a psicóloga relata não ter notado um aumento ou algo diferente em relação às pessoas que são atendi- das pelos hemocentros. “Eu atendi remotamente algumas famílias com crianças com hemofilia, que já estavam em psicoterapia breve, e continuamos com o tratamento. Algumas das famílias até se sentiram, em geral, tranquilas com os pequenos em casa”, diz Frederica.
Tempo de aprendizado
De acordo com a cartilha “Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid-19”, elaborada pela psicóloga Débora Noal e a equipe do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), durante uma pandemia é esperado que estejamos frequentemente em estado de alerta, preocupados, confusos, estressados e com sensação de falta de controle diante das incertezas do momento. Mas, ressalta o documento, nem todos os problemas psicológicos e sociais apresentados nesse momento poderão ser qualificados como doenças. A maio- ria será classificada como reações normais diante de uma situação anormal. Os fatores que influenciam esse impacto, observa a cartilha, estão relacionados a magnitude da epidemia e ao grau de vulnerabilidade em que a pessoa se encontra no momento.
A pandemia nos obrigou, diz o psicólogo e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexsandro dos Santos Machado, a revisar nossas vidas. “Isso nunca ocorreu de uma forma tão global e tão intensa. Estamos sendo forçados a revisarmos nossas vidas em múltiplos sentidos, mas as necessidades básicas da vida seguem existindo, gerando novos desafios para as pessoas. Sentimentos de ansiedade e medo têm sido muito relatados neste período”, afirma Machado, que é Professor Adjunto do Curso de Pedagogia – Unidade Acadêmica de Educação à Distância e Tecnologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Para as pessoas com hemofilia não tem sido diferente: alguns podem ter sentimentos intensificados no momento, como ansiedade e medo diante de um sangramento e da necessidade de ir ao hemocentro, se expondo ao coronavírus. O psicólogo afirma que a resiliência observada na comunidade das pessoas com coagulopatias hereditárias pode ser uma razão a mais para ajudá-los a enfrentar, mental e emocionalmente, melhor a pandemia e seus impactos.
“As pessoas com hemofilia geral- mente se tornam resilientes pela capacidade que têm de enfrentar e se adaptar às adversidades da vida com a coagulopatia. Ela acaba sendo uma característica essencial para a adesão do paciente com hemofilia ao tratamento. Portanto, conviver com dificuldades na vida não é uma novidade para essa população. Essa característica pode ajudá-lo a enfrentar mais essa dificuldade”, avalia. Esse cenário de isolamento social causado pela pandemia pode ser aproveitado, opina o psicólogo, para fazermos profundas reflexões pessoais e buscarmos transformações em nosso estilo de vida. E aproveitarmos, ainda, para aprendermos a estarmos apenas conosco mesmos. “Estar consigo mesmo é uma experiência importante para o ser humano, mas, no dia corrido da vida moderna, muitas vezes evitamos ficar sozinhos. Dessa maneira, essa abrupta circunstância de isolamento social ocasionada pela pandemia pode ser bem aproveitada para profundas reflexões pessoais e transformações em nosso modo de viver a vida. Mas o prolongamento do isolamento pode intensificar sentimentos ruins sobre si mesmo e a solidão pode contribuir para alguns transtornos de ansiedade como a depressão, por exemplo. Nesse caso, a ajuda de um profissional da saúde mental se torna muito importante”, completa Machado.
Sete dicas para você atravessar com mais tranquilidade e equilíbrio o momento atual:
- Procure buscar fontes de informações seguras e não perder energia vendo o tempo todo vídeos e notícias catastróficas.
- Foque naquilo que temos nas nossas mãos: valorizar as pequenas “grandes” coisas da vida como o amor, a gentileza, o cuidado, a compaixão, o ar que respiramos.
- Faça exercícios físicos e, para isso, conversem com seu fisioterapeuta e/ou fisiatra.
- Cuidem da saúde do sono e da alimentação.
- Procurem ajuda psicológica caso sintam certos sentimentos e tenham ideias que não “passam”.
- Descubra alguma atividade que antes você não tinha tempo de fazer ou achava impossível retomar: fotografia, dança, caminhadas, meditação ou cozinhar, por exemplo.
- Aceite que podemos manejar certas coisas e outras não e que podemos aprender a manejar melhor. Tudo é um processo.
Fonte: psicóloga Frederica Cassis