Tratamento
Ortopédico
Existem diferentes tipos de tratamentos ou procedimentos ortopédicos que podem ser realizados em pessoas com hemofilia, em função das sequelas causadas pela artropatia hemofílica (*). A indicação de cada um deles depende do diagnóstico do indivíduo, do seu histórico e também de outras circunstâncias que a equipe de tratamento deve avaliar de forma específica.

Procedimentos ortopédicos minimamente invasivos
Os procedimentos ortopédicos considerados menos invasivos para tratamento da artropatia hemofílica são: Punção Articular, Infiltração com Corticoide, Infiltração com Ácido Hialurônico e a Radiossinoviortese (RSV).
A Punção Articular consiste na introdução de uma agulha dentro da articulação, com o objetivo de esvaziar seu conteúdo ou injetar uma substância intra-articular. No primeiro caso, de esvaziamento de uma hemartrose (**), só há indicação nas hemartroses agudas, com poucas horas de início. Nas hemartroses crônicas, advindas da sinovite (***) crônica, o procedimento não está indicado, já que a articulação tornará brevemente a se encher de sangue novamente.
A Infiltração com Corticóide constitui-se da injeção intra-articular de um medicamento com poder anti-inflamatório, geralmente de longa duração, como a Triancinolona Hexacetonido. Está indicada nos casos iniciais de sinovite, ou, no extremo oposto, nos casos de artropatia avançada que curse com dor. Sua ação é diminuir a inflamação no local. Alguns protocolos de RSV também indicam o uso da Triancinolona depois do radiofármaco para potencializar seu efeito benéfico.
A Infiltração com Ácido Hialurônico trata-se de um procedimento que aplica o medicamento que imita uma substância de mesmo nome, existente dentro da articulação e que serve para “lubrificar” e melhorar sua a função dessa articulação. Tem resultados interessantes na artropatia avançada, em que o ácido hialurônico “natural” está comprometido pela artropatia.
Por fim, a Radiossinoviortese (RSV) consiste na injeção intra-articular de um medicamento radiofármaco, com o objetivo de inibir a inflamação crônica dentro das articulações (sinovite crônica), a fim de interromper as hemartroses de repetição. Está indicada como alternativa menos invasiva possível para o tratamento da sinovite crônica que ocorre na hemofilia.
Tanto as infiltrações quanto a RSV são procedimentos ambulatoriais, realizados com anestesia local, sem necessidade de internação do paciente e com margem de sucesso de cerca de 80% dos casos.
É importante mencionar as diversas modalidades de órteses (****), como coadjuvantes no tratamento ortopédico. Utilizadas no momento adequado, podem até mesmo evitar procedimentos mais agressivos. Auxiliam na correção gradual de um mau posicionamento das articulações e membros (ou pelo menos no alívio da dor) e no suporte do peso corporal. Alguns exemplos de órteses são: palmilhas nos calçados, após exame computadorizado da pisada e hastes com dobradiças reguláveis para sustentação e extensão das pernas e braços. Esses dispositivos devem ser confecionados por profissional habilitado, o ortesista.
Cirurgias Ortopédicas
As cirurgias ortopédicas são indicadas, em geral, para as pessoas com artropatias avançadas, nas quais já se tentaram medidas menos invasivas sem o sucesso esperado. Nesses casos, a intensidade da dor e prejuízo da qualidade de vida é o determinante para o momento da cirurgia.
O indivíduo deve primeiramente, passar em uma consulta com o hematologista do Centro de Tratamento de Hemofilia (CTH)/Hemocentro que, se achar necessário, fará o encaminhamento para os centros especializados em tratamento ortopédico em hemofilia. As assistentes sociais podem ajudar neste processo com os trâmites relacionados ao Tratamento Fora de Domicílio (TFD) e da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC). Saiba mais sobre esses benefícios: Clique aqui!
O caso será reavaliado por uma equipe multidisciplinar, formada por ortopedista, fisioterapeuta e hematologista que, juntos, discutirão a indicação e as devidas orientações do procedimento. Sempre o hematologista será o primeiro responsável pelo encaminhamento aos centros de referência em ortopedia/hemofilia.
Todos os procedimentos cirúrgicos ortopédicos na hemofilia, do mais simples ao mais complexo, devem ser precedidos de aplicação de fatores da coagulação específico, em doses específicas para cada procedimento e paciente e devem ser acompanhados por um hematologista especialista em hemofilia.
Uma condição que exige cirurgia e merece atenção é o pseudotumor. O pseudotumor é uma complicação rara que ocorre em apenas 1% a 2% das pessoas com hemofilia independentemente ser do tipo A ou B, entretanto, é mais encontrado em adultos com hemofilia grave (pacientes com menos de 1% do fator de coagulação). A formação de um pseudotumor origina-se de hemorragias crônicas e recorrentes, que levam a uma massa encapsulada que contém sangue em diferentes estágios de degradação. Eventualmente, o pseudotumor do paciente pode se tornar uma lesão muito grande. O pseudotumor pode se formar nos tecidos moles, ser intraósseo ou subperiosteal, nesta ordem decrescente de frequência. [i]
Conheça todas as opções de procedimentos cirúrgicos (incluindo os já citados no acima) que possibilitam a melhoria da qualidade de vida desses pacientes:
1 – Punção articular nas hemartroses
2 – Sinovectomias: Químicas (pouco usadas); Radioativas (sinovectomia radioisotópica, sinoviortese ou sinovectomia radioativa) com Ytrio 90 ou Samario; Cirúrgicas: abertas ou artroscópicas
3 – Infiltração articular: Corticosteroide (triancinolona, dexametasona); Condroprotetores (ácido ialurônico); A+B
4 – Artroplastia Total do Joelho (Prótese)
5 – Artroplastia Total do Quadril (Prótese)
6 – Artroplastia Total do Tornozelo (Prótese)
7 – Artroplastia Total do Ombro (Prótese)
8 – Artroplastia de interposição no Cotovelo
9 – Ressecção da cabeça do rádio (cotovelo)
10 – Artrodese do tornozelo (fixação articular)
11 – Revisões de Próteses Totais (troca)
12 – Ressecção de pseudotumor ósseo (verdadeiro)
13 – Ressecção de pseudotumor muscular (falso)
14 – Tratamento cirúrgico de fraturas patológicas ou não (osteosíntese)
15 – Uso de enxerto ósseo em pseudotumor
16 – Uso de substitutivos ósseos (hidroxiapatita, selantes de fibrina)
17 – Epifiodese: bloqueio temporário ou definitivo das epífises de crescimento, para correção de deformidades articulares enquanto tem potencial de crescimento.
18 – Osteotomia: corte ósseo para correção de deformidades angulares (valgo, varo, recurvato ou antecurvato)
19 – Liberações músculo-ligamentares
É importante ressaltar que toda cirurgia envolve o período de reabilitação, através do tratamento de fisioterapia. O fisioterapeuta deve manter contato com o ortopedista e com o hematologista do paciente para realizar um trabalho em equipe, visando o melhor prognóstico e reabilitação deste.
Informações gerais
Para que o indivíduo tenha acesso a esses diferentes tipos de procedimentos, ele deve se informar sobre os riscos e benefícios de cada opção, para o seu caso especificamente. O ideal é que ele discuta as alternativas possíveis com seu médico e equipe tratadora do CTH/Hemocentro. Caso o cirurgião não fizer parte da equipe multiprofissional do Hemocentro, é necessário que haja uma boa comunicação entre este, que vai conduzir o procedimento, e os profissionais que tratam o paciente regularmente, sobretudo com o hematologista.
O profissional que realiza procedimentos ortopédicos em pessoas com hemofilia ou outras desordens hemorrágicas precisa estar familiarizado com a patologia antes de executar o procedimento, pois a hemofilia e demais transtornos da coagulação, apresentam peculiaridades e complexidades que precisam ser observadas previamente pelo cirurgião.
Nenhum procedimento ortopédico deve ser realizado em uma pessoa com hemofilia sem o conhecimento de seu hematologista e da equipe tratadora do CTH/Hemocentro e de um profissional que conheça a coagulopatia do paciente.
A realização de qualquer procedimento ou cirurgia, sobretudo ortopédico, em uma pessoa com hemofilia (ou outra coagulopatia), sem acompanhamento de seu hematologista, pode levá-la ao risco de sequelas graves e até de morte.
No caso de não haver fisioterapeuta e ortopedista no CTH/Hemocentro onde o indivíduo é tratado, o profissional responsável para avaliar e encaminhar o paciente para receber o tratamento musculoesquelético (de articulações e músculos) é o próprio hematologista. Esse profissional deve estar familiarizado com as principais alterações musculoesqueléticas próprias da hemofilia e sobre as alternativas para encaminhamentos no seu município, estado ou no país. Além do hematologista, toda a equipe do Hemocentro deve ter especial atenção e capacitação para o reconhecimento e encaminhamento das alterações musculoesqueléticas. Isto porque cerca de 85% das hemorragias nas pessoas com hemofilia ocorrem nas articulações e músculos. Vale lembrar que a falta de um profissional especialista ou de um determinado recurso de tratamento em um Hemocentro não deve impedir o acesso do paciente aos tratamentos indicados para seu caso. Até porque o sistema de saúde brasileiro prevê o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) custeado pelo SUS. Em um meio profissional ainda restrito, como é o caso da hemofilia, o networking e o coleguismo são de grande ajuda para buscar o melhor para o paciente.
(*) Artropatia hemofílica: A hemorragia na articulação provoca uma reação inflamatória da membrana sinovial (membrana que envolve a articulação) que, como consequência, leva a grande vascularização da membrana, ocasionando hemorragias repetidas, que geram um efeito destrutivo, perpetuando-se sobre as estruturas articulares. A presença de sangue na cavidade articular acarreta a degeneração da cartilagem e, após uma série de processos químicos, enzimáticos e mecânicos, acontece a destruição da articulação. A artropatia é o resultado deste processo de degeneração articular, que pode ser classificado em diversos graus. Trata se de uma degeneração irreversível que, quando em grau avançado, só pode ser tratada cirurgicamente.
(**) Hemartrose: Sangramento na articulação.
(***) Sinovite: inflamação na membrana que envolve a articulação.
(****) Órteses: dispositivos que têm como objetivos estabilizar, corrigir ou aliviar a dor dos membros afetados pela artropatia.
Elaboração e revisão técnica:
Dr. Luciano Pacheco – médico ortopedista (PUC/PR); Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia (HC/UFPR); Mestrado em Programa de Pós Graduação em Clínica Cirúrgica (UFPR); Doutorado em Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica (UFPR); Membro titular da SBOT, SBQ, do Comitê Musculoesquelético da Federação Mundial de Hemofilia e do CAT da FBH. Dra. Sylvia Thomas – médica hematologista e pediatra, responsável pelo projeto de Radiossinoviortese em hemofilia no HUCFF-UFRJ. Mestre em Clínica Médica e Doutora em Medicina / Radiologia pela UFRJ. Presidente da Federação Brasileira de Hemofilia de 2005 a 2009. Membro do Comitê musculoesquelético da Federação Mundial de Hemofilia.
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25 associações
em atuação, distribuídas em todo o Brasil
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Comitê técnico
formado por profissionais
especialistas renomados
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Atuação
junto a vários órgãos
governamentais
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Auxílio no acesso
ao melhor tratamento à
coagulopatia